domingo, 20 de julho de 2014

Fofoca sai do cafezinho e migra para as mídias sociais



Logo depois que Jill Abramson perdeu o cargo de editor do "The New York Times", o repórter de mídia David Carr tuitou: "Como foi que nosso local de trabalho subitamente se transformou em um episódio sangrento de 'Game of Thrones'? Uma coisa é fazer fofoca ou reclamar de seu chefe, outra é ver sua cabeça ser cortada em plena luz do dia". A história reveladora de como e por que Jill Abramson foi demitida vem expondo gradualmente os meandros internos da redação do jornal.

Mas, se antes as guerras de facções e lutas pelo poder permaneciam dentro do local de trabalho, ferramentas como Twitter e Facebook estão transformando as antigas conversas no cafezinho em depoimentos de âmbito global.
 
"A mídia social intensificou a fofoca", diz Tomas Chamorro-Premuzic, professor de psicologia dos negócios da University College London e da Universidade de Nova York. "Como essa comunicação é mediada pela tecnologia e não há a experiência direta do feedback ou reações do receptor, as pessoas estão mais inclinadas a compartilhar informações e abrir posições confidenciais - e potencialmente embaraçosas", afirma.

Graham Jones, antropólogo do Massachusetts Institute of Technology (MIT) especializado em linguística e cultura, concorda. Segundo ele, a fofoca mudou bastante nas últimas décadas. Em sua opinião, as pessoas não comentam mais apenas sobre o que os outros falam e fazem, mas também sobre os pensamentos e sentimentos que as palavras escondem.

A análise feita por Jones sobre as conversas on-line entre adultos jovens constatou que grande parte delas envolve a maneira como as pessoas usam (ou usam errado) o Facebook e outras mídias sociais - o colega que posta um comentário sobre outro que ficou bêbado em uma festa, por exemplo. Como a fofoca é sempre usada para firmar uma aliança com outros, com base na noção comum de superioridade moral, isso mostra que a mídia social se transformou em uma "arena importante onde definimos nossa noção de moralidade", explica.

Assim, a maioria das corporações está gastando muito tempo educando seus funcionários sobre o que eles devem ou não dizer nas mídias sociais. A empresa de tecnologia Intel, por exemplo, aconselha seus funcionários que usam o Twitter a "encarar e corrigir rapidamente" seus erros. Chamorro-Premuzic diz que as mídias sociais vêm agindo como um nivelador da fofoca entre os extrovertidos e os introvertidos, que no geral eram mais discretos e relutantes em compartilhar seus pontos de vista. É por isso que sites como o Glassdoor, que permite às pessoas avaliar os patrões e os salários, assim como procurar emprego, tornaram-se tão importantes.

Os empregados agora têm o poder de criticar suas companhias e gestores para o mundo exterior, da mesma maneira que os consumidores dão notas para hotéis via TripAdvisor, ou a livros no site da Amazon. "A fofoca digital é uma terceirização em massa da reputação de uma companhia e seus administradores, assim como o Ratemyprofessor vem fazendo para estudantes e professores universitários", diz Chamorro-Premuzic.

Um estudo sobre a Enron, organização que esteve no centro da maior falência corporativa da história, traz evidências de que a tecnologia encoraja a fofoca. Uma análise de 600 mil e-mails internos de funcionários, feita por acadêmicos da universidade Georgia Tech, constatou que 14,7% deles continham alguma forma de fofoca.

Ao contrário das fofocas na cozinha do escritório, que evaporavam rapidamente, os e-mails e os comentários feitos nas mídias sociais são duradouros - e isso pode ser preocupante. O professor Jones, do MIT, diz ter ficado surpreso com o grau de minúcia com que os fofoqueiros on-line analisam os hábitos das outras pessoas na internet. "Eles não se limitam a informar superficialmente o que a outra pessoa disse ou fez. Eles, literalmente, recortam e colam evidências, fornecendo capturas de tela ou links, de modo que os participantes possam esmiuçar tudo", diz.

Apesar disso, uma pesquisa realizada por Shimul Melwani, professora de comportamento organizacional da Kenan-Flager Business School, dos Estados Unidos, revela que a fofoca no local de trabalho pode ser positiva, ajudando-nos a formar laços com outras pessoas e a compreender e encontrar significados no mundo. "As pessoas que fofocam tendem a se envolver mais e a sorrir mais. A amizade entre os pares não apenas é reforçada, como eles também cooperam melhor". Mas há ressalvas. "A fofoca é positiva se ocorre fora da equipe de trabalho, nunca dentro", diz Shimul. Ela aconselha, de maneira geral, a falar de maneira positiva sobre os colegas, uma vez que as pessoas frequentemente mudam de área e de posição na hierarquia corporativa.

A fofoca pode acabar se voltando contra você. Essa pode ser uma das razões de o staff do "The New York Times" ter ficado surpreso em ver fofocas - ou reclamações sobre o comportamento da ex-editora - discutidas por uma audiência global, muito maior que a pretendida. Eles não estão sós; muitos de nós vão aprender essa lição da maneira mais difícil.

Fonte: Valor Econômico em 09/07/2014

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