terça-feira, 26 de julho de 2011

Na corda bamba

Jaime Vergani, da Randon: programas de educação e prevenção de saúde aumentaram a produtividade do time e reduziram o absenteísmo
Jaime Vergani, da Randon: programas de educação e prevenção de saúde aumentaram a produtividade do time e reduziram o absenteísmo.
A busca por resultados em tempo cada vez mais curto, o estabelecimento de metas mais agressivas, o avanço da tecnologia e o mundo sem fronteiras têm tornado o homem cada vez mais refém de seu trabalho. Não existem mais limites entre a casa o escritório. Você responde e-mails sem parar. Leva o Blackberry para o café da manhã com a família. Resolve por celular várias pendências no caminho até a empresa e nem no fim de semana consegue se desligar do mundo corporativo.
Se, antes, o profissional brasileiro trabalhava cerca de 48 horas por semana, hoje ele gasta 54 horas ligado no trabalho. Os americanos chegam a dedicar 56 horas semanais para o escritório, o que só piora quando o cargo cresce. Segundo dados da International Stress Management Association (Isma), os profissionais em posições mais altas chegam a gastar 65 horas por semana do seu tempo no trabalho. Essa rotina vem contaminando não só a vida do profissional, mas a das companhias. O custo do estresse no Brasil é estimado em 3,5% do PIB nacional (cerca de 42 bilhões de dólares). Nos Estados Unidos, já ultrapassa 300 bilhões de dólares anuais e na União Européia, 325 bilhões de euros. Segundo a Isma, que realizou uma pesquisa para avaliar o nível de estresse dos brasileiros, 70% das pessoas economicamente ativas possuem algum tipo de seqüela, como doenças crônicas, depressão, obesidade e lesões por esforços repetitivos. “Apesar dos esforços das companhias, os danos ainda são grandes e o nível de estresse não tem baixado”, diz Ana Maria Rossi, presidente da Isma no Brasil.

Ao que tudo indica, esse esforço corporativo para encontrar uma solução literalmente equilibrada deve aumentar nos próximos anos. Uma pesquisa realizada pelo The Boston Consulting Group (BCG) com mais de 4 700 executivos de recursos humanos em 83 países revelou que equilibrar vida pessoal e profissional está entre os três principais desafios da agenda do RH, ao lado da gestão e desenvolvimento de talentos. No Brasil, o assunto assumiu o topo no ranking de prioridades. “A preocupação com o equilíbrio entre vida pessoal e profissional já está incorporada à nova geração e não tem volta”, afirma Christian Orglmeister, diretor do BCG no Brasil. “É preciso olhar para esse tema como uma vantagem competitiva.”

Isso significa que trabalhar o tópico qualidade de vida não é uma questão apenas de preocupação com o clima e o bem-estar, e muito menos uma questão de escolha. É, sim, uma questão de sobrevivência. Empresas que, não atentarem para essa realidade vão continuar a somar seus elevados custos com a saúde dos funcionários e a perder talentos. “Quem ainda não está pensando nesse assunto irá perder competitividade rapidamente”, avisa Alberto Ogata, presidente da Associação Brasileira de Qualidade de Vida. “Os cartões de ponto deixaram de ser fundamentais, principalmente porque os resultados agora são mais importantes do que a presença física.”

A perda de profissionais – especialmente da nova geração – é outra conseqüência drástica para as companhias que se distanciarem desse assunto. A chamada Geração Y (pessoas nascidas a partir de 1978) começou a exigir das companhias uma nova postura sobre qualidade de vida. “Se a geração anterior valorizava o compromisso com a companhia e os benefícios, a atual tem outras prioridades, como responsabilidade social e qualidade de vida”, diz Orglmeister. Diferentemente dos profissionais mais velhos, que olhavam a qualidade de vida como algo para desfrutar após o trabalho ou, ainda, após a aposentadoria, os “Y” buscam trabalhar com qualidade de vida. Isso significa ter, especialmente, flexibilidade para fazer tudo que é importante, sem abrir mão dos prazeres do cotidiano.

Apesar de o assunto finalmente chegar à pauta das discussões estratégicas das companhias, ainda são poucas as organizações que possuem programas e ações estruturadas e sustentáveis ao longo do tempo. De acordo com a Isma, nos Estados Unidos menos de 35% das companhias contam com algum programa regular de qualidade de vida. No Brasil, esse número é de apenas 5%, e menos de 1% quando se trata de ações para gerenciamento do estresse. “As companhias já sabem que têm um grande desafio pela frente. Os executivos de RH perguntam, querem entender o que está acontecendo, mas ainda não sabem como tratar de fato essa questão”, diz Ana Cristina Limongi-França, responsável pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gestão de Qualidade de Vida no Trabalho da FEA-USP.

Não é de fato um trabalho fácil. No estudo realizado pela BCG, os países mais preocupados com esse assunto afirmam encontrar nos horários flexíveis a grande chave da mudança. Na América Latina, por exemplo, 51% dos executivos de RH entrevistados disseram já oferecer essa flexibilidade e 77% têm expectativas de inserir o horário flexível até 2015. Essa flexibilidade, porém, tão desejada e vista como uma boa forma de transformar o discurso do equilíbrio em prática, encontra certos entraves na legislação brasileira, conforme os executivos entrevistados na pesquisa da BCG lembraram. É preciso ter muito cuidado para não burlar as leis trabalhistas, que estabelecem jornadas fechadas aos trabalhadores. Mais do que cuidado, é preciso esforço, investimento, comunicação e muita paciência na mensuração dos resultados. Muitas vezes, eles demoram a aparecer e às vezes é preciso rever tudo o que foi feito para ajustar melhor as ações aos públicos. Veja a seguir exemplos de três empresas que, mapeando suas populações, identificando suas necessidades e usando a criatividade, conseguiram transformar (para melhor) o estilo de vida de seus funcionários.

Pequenas ações que fazem diferença
Há oito anos, quando começou a realizar uma pesquisa de clima, a Eurofarma, fabricante de medicamentos próprios e licenciados, com sede em São Paulo, percebeu que era possível melhorar o índice de felicidade dos seus 3 100 funcionários por meio de ações simples. Muito mais do que uma boa cesta de benefícios, a companhia identificou que as pessoas buscavam um maior equilíbrio entre vida pessoal e profissional. O ataque começou pela saúde. O laboratório, destaque no Guia VOCÊ S/A-EXAME – As Melhores Empresas para Você Trabalhar 2008 na categoria Saúde, investiu em uma plano médico de referência e passou a subsidiar medicamentos (100% para os produzidos ali e 80% para remédios de outras empresas).

Aos poucos, os programas e as ações foram crescendo. Em 2001, a Eurofarma construiu uma creche para filhos dos funcionários (homens e mulheres). “O objetivo foi cuidar das crianças, para que os pais pudessem ter tranqüilidade e trabalhar felizes”, diz Mikiko Inoue, diretora de recursos humanos da Eurofarma. “As mães também conseguiram amamentar no horário do expediente sem problemas de locomoção.” Hoje, o laboratório já conta com duas creches, nas plantas de São Paulo e Itapevi, na Grande São Paulo, que atendem cerca de 90 crianças de 0 a 6 anos. Para as outras quatro unidade, a empresa fornece auxílio para creches próximas. Mesmo antes da discussão sobre a lei, o laboratório já tinha aderido à licença-maternidade de seis meses – tempo indicado pela Organização Mundial de Saúde como ideal para a amamentação.

Ações pontuais sinalizaram aos profissionais que a empresa estava de fato comprometida em estimular a qualidade de vida. Além de disseminar a importância de não levar trabalho para casa, o laboratório bloqueia o acesso dos funcionários a programas e e-mails quando eles estão de férias. “A tecnologia facilita o trabalho, mas temos a clareza de que ela não deve ser usada para aumentar o nível de estresse das pessoas”, diz Mikiko. Para permitir uma maior conciliação entre as questões pessoais sem atrapalhar o trabalho, a companhia instituiu, há seis anos, o horário flexível, quebrando todas as regras que existiam. De segunda a quinta-feira, os funcionários podem chegar das 7 às 9 horas, cumprindo 8h30 por dia. Nas sextas-feiras, o final do expediente é antecipado, com seis horas de trabalho.

A auto-estima dos funcionários é outro fator de preocupação na estratégia da Eurofarma. Com um salão de beleza dentro da companhia, os profissionais, inclusive os de chão de fábrica, podem cortar o cabelo, fazer as unhas e até massagem. “Pessoas felizes produzem mais e geram mais resultados. Essa é a nossa estratégia”, diz Mikiko.

Público jovem, ações inovadoras
Com cinco anos de existência, a Visa Vale, operadora de cartões eletrônicos de refeição e alimentação, tem perfil de novata, mas é considerada uma empresa madura em resultados e na gestão de pessoas. Com 180 funcionários – com idade média entre 24 e 32 anos – e um faturamento de mais de 5 bilhões de reais neste ano, incorporou desde o início ações que combinassem com o estilo do seu público. Entre as estratégias, foram incluídas responsabilidade socioambiental e qualidade de vida, dois pontos levados muito a sério pelos profissionais mais jovens. “Uma característica marcante desse pessoal, hoje, é a busca por ser útil à sociedade. Preencher essa necessidade de fazer o bem gera ainda maior satisfação e isso reflete diretamente nos resultados do negócio”, afirma Débora Dado, gerente de desenvolvimento de pessoas.

Para realizar as ações sociais, a companhia formou com os funcionários um grupo de responsabilidade socioambiental para selecionar projetos e mobilizar as pessoas. Algumas ações que estão em prática são a inclusão digital de 20 jovens em situação de risco, formação de hortas de subsistência para escolas carentes e um banco de dados com possíveis doadores de medula óssea.

A companhia não descuida da qualidade de vida dos seus funcionários. No dia do aniversário, cada pessoa tem direito ao day off (para faltar ao trabalho) e dois ingressos para ir ao cinema, com direito a pipoca. Sediada em Alphaville, na Grande São Paulo, a Visa Vale desenvolveu o Programa Weekend, possibilitando que todos possam resolver questões pessoais durante a semana sem precisar faltar. Para isso, duas vezes por mês, os funcionários podem negociar com seus gestores o fim da sexta-feira ou o início da segunda-feira para sair mais cedo ou chegar mais tarde ao escritório. “Essa foi a maneira que encontramos para as pessoas conseguirem colocar a vida pessoal em dia, sem estresse”, diz Débora.

Durante o expediente, o ambiente é cuidado para que todos se sintam à vontade. No espaço chamado de Comunicafé, os profissionais contam com aparelhos de massagem, mesa de sinuca, tiro ao alvo e futons, para descontrair. O grupo de melhoria contínua é responsável por garantir as mudanças necessárias para manter a satisfação na empresa. Formado por quatro pessoas de cada área, com níveis hierárquicos diferentes, é considerado o radar de clima, captando críticas e sugestões.

A Visa Vale é um bom exemplo de persistência. Em 2006, a empresa chegou a desligar as luzes do escritório às 20 horas, todos os dias, expulsando quem insistisse em trabalhar até tarde. Hoje, já não é necessário. Passou a ser comum encontrar o escritório completamente vazio às 19h30. Prova de que ações contínuas trazem resultados no longo prazo e retorno dos funcionários. Há dois anos, o índice de satisfação das pessoas era de 57%. No ano passado, chegou a 73%. Adequando-se às necessidade de seu público, a Visa Vale conquistou outro grande número: seu turnover espontâneo, que chegava à casa dos 30% há dois anos, hoje está entre 15% e 18%. Isso se chama vantagem competitiva.

Sinal verde
Há dez anos, a Randon, que fabrica carrocerias e vagões ferroviários, em Caxias do Sul, na Serra Gaúcha, iniciou o Programa Viver de Bem com a Vida. O foco no início foi a saúde e a prevenção do uso de drogas entre os funcionários. Dois anos após a implementação do programa, a companhia percebeu que, para reduzir o índice de absenteísmo, era necessário fazer mais. Foram implantadas, então, novas ações incluindo saúde pessoal, social, no trabalho e com a família.

De forma estruturada, a Randon criou dois comitês – um coordenador e outro reabilitador – para acompanhar os 3 845 funcionários. O primeiro é responsável pelo planejamento estratégico, baseado no mapeamento das ameaças e fragilidades de cada área. O outro acompanha e auxilia os profissionais que já apresentam problemas emocionais ou de saúde. Para monitorar sua população, a Randon passou a realizar uma pesquisa detalhada a cada dois anos, identificando, assim, os níveis de risco de estresse na organização. Com essa estratégia foi adotada a metáfora do semáforo: sinal verde para as pessoas com um bom nível de qualidade de vida; amarelo para quem está em situação de risco e vermelho para situações fora de controle (pacientes com doenças crônicas, depressão, obesidade e dependência química).

Associado ao mapeamento, a empresa incluiu ações para promover a integração, com visita de familiares à fábrica e atividades como torneios esportivos, passeios turísticos, colônia de férias e cinema para pais e filhos. Também foram inseridas palestras para orientar o planejamento financeiro e campanhas preventivas de saúde. “Conseguimos maior produtividade educando as pessoas a terem equilíbrio entre trabalho, família e lazer”, afirma Jaime Vergani, diretor de suprimentos, administração e finanças da Randon.

Antes dessas ações, em 2004, o time verde representava 68% da instituição – hoje, é de 80%. O grupo vermelho era de 17% e passou a ser de 7%. O número de internações hospitalares diminuiu 60%. O índice de absenteísmo caiu 1% e os acidentes diminuíram de 15% para 12%. “Investir na saúde e na qualidade de vida está no nosso planejamento estratégico”, afirma Vergani. “Acompanhamos sempre os indicadores, que irão nortear essas e as futuras ações.
Fonte: Revista Você RH

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