quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Sobre o poder do recrutador – e o que se faz com ele

Em 2010, deixei a Microsoft, empresa da qual fui executivo por 13 anos e, antes de ser convidado para trabalhar no LinkedIn, considerei a possibilidade de mudar o meu setor de atuação. Meu último cargo havia sido o de diretor de vendas e marketing do videogame XBOX, entre outros produtos de consumo, o que atraiu o interesse de empresas que não estavam no meu radar.
Fui convidado para uma entrevista em uma delas – uma companhia robusta e bem-vista no mercado. A vaga era para a área de marketing digital. Logo no início do processo seletivo, foi pedido que eu fizesse um mapa sobre minhas experiências passadas. Aquilo me soou positivo, diferente, fora do padrão. Até que, alguns dias depois, fui chamado para uma conversa com uma recrutadora. O papo durou poucos minutos. Logo de cara, ela perguntou:
– Você não é muito velho para o cargo de marketing digital?
A frase me causou espanto. A abordagem parecia preconceituosa e antipática, o que destoava da impressão que havia tido na etapa anterior.
– Não sei. Eu trabalhava com videogame. Estou velho para isso?, respondi, devolvendo a pergunta.
O processo não avançou.
No meu caso, essa é apenas uma lembrança que depõe contra a companhia em questão. Mas a experiência me levou a refletir sobre a delicada relação entre recrutadores e profissionais em busca do próximo emprego e sobre o impacto negativo que uma entrevista mal conduzida pode ter na vida de alguém que, pelas circunstâncias, sente-se vulnerável e fragilizado.
Hoje, esse é um tema bastante presente no meu dia a dia profissional, como diretor regional do LinkedIn para a América Latina, em um momento em que o Brasil tem 12 milhões de desempregados, além de outros 10 milhões de pessoas subocupadas e inativas, que deixaram de procurar emprego. Quando o telefone de alguém em uma dessas condições toca e, do outro lado da linha, é um recrutador, a tendência é a pessoa se animar e criar expectativas.
Para alguns, aquela entrevista será o grande acontecimento da semana, talvez do mês. No entanto não são poucos os que se frustram quando chega o momento da conversa e levam um balde de água fria. Não é raro que esses candidatos encontrem, do outro lado da mesa, um recrutador que não olha em seus olhos, fala frases monossilábicas e se atém estritamente a um checkbox dos atributos que o profissional que ele procura deveria ter. Há ainda quem faça piada da ansiedade ou nervosismo demonstrado pelo candidato.
Apesar de eu não considerar de modo algum aceitável, consigo compreender o que há por trás da postura de alguns recrutadores. Muitas vezes, esses profissionais entrevistaram seis, sete ou oito pessoas em um só dia. Quando a última entra na sala, o entrevistador já está exausto. A postura dele é, em muitos casos, consequência de uma combinação de sobrecarga de trabalho com a sensação de ser subvalorizado pela empresa. Isso porque no mercado latino-americano, diferentemente do que vejo nos mercados europeu e norte-americano, as organizações ainda não dão o devido valor às áreas de recrutamento e seleção. Embora muitas empresas digam se empenhar em contratar as melhores pessoas, na prática e de modo geral, essa área não é considerada como prioritária e é normalmente analisada sob um prisma unicamente de custos –  no primeiro sinal de crise, é a área a ser cortada.
Consequentemente, muitos recrutadores consideram a função temporária. É como se dissessem “eu não sou recrutador. Eu estou recrutador”. Uma vez, em uma reunião da qual participei, um executivo de uma multinacional chegou dizendo: “Eu não sou da área de recrutamento... nem mesmo de RH, tá? Eu só estou tocando essa área porque as pessoas de humanas não estavam dando conta. Eu sou de negócios”.
O fato é que o papel do recrutador é fundamental não só para os candidatos, mas também para as empresas. As pessoas podem não se lembrar do nome de quem as entrevistou, mas certamente não esquecem a organização que os entrevistadores representam.
Fonte: Milton Beck - Regional Director - Latin America na LinkedIn

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